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As musas - Clio

Atualizado: 31 de dez. de 2020


Clio: musa da História, 1632 - Clio: musa da História, 1632

Toda a mitologia grega antiga parte da existência de um jogo entre humanos e deuses, mortais e imortais. Obter as graças dos deuses, de um deus ou deusa seria, praticamente, sinônimo de sucesso para um mortal. Da mesma maneira, infortúnios sem fim estão reservados àqueles que desafiam os imortais. Por isso tantos templos, estátuas, rituais, sacrifícios, odes, presentes...


Quando uma pessoa buscava inspiração criativa, deveria recorrer a uma das musas, as imortais filhas de Zeus e Mnemosine. Dependendo de sua busca, o mortal apelava à mais adequada; no caso daqueles que queriam inspiração para perscrutar o passado, em busca de iluminação para questões presentes, o nome era Clio, a inspiradora da História.


“Clio”, em grego, traduzir-se-ia por fama. Por ser “aquela que celebra, a anunciadora”, cabe a ela tornar famosos os humanos e os eventos humanos merecedores de digna lembrança. Clio é frequentemente representada como uma mulher que porta um pergaminho ou placa pétrea, onde se encontram inscritos os desígnios do tempo. Além disso, Clio traz consigo uma trompa, para anunciar os eventos aos quatro ventos. Isto posto, Clio não é a autora da História, mas sua guardiã.


A palavra historía, no grego arcaico, originalmente significa pesquisa. O historiador é aquele que por meio de seus esforços atrai para si a atenção de Clio, que permite a este mortal o acesso ao pergaminho do tempo. Ao historiador é dado - a depender da sempre momentânea benevolência de Clio - bisbilhotar o conteúdo do tal pergaminho, para guiá-lo em seu próprio registro dos eventos.


O historiador, por natureza, é (ou deve ser) alguém inspirado. E embora o conceito moderno de “artista” muito pouco possa nos dizer a respeito dos antigos gregos, o historiador faz parte desses “criadores” na tradição Clássica. Está em pé de igualdade com músicos, pintores, dançarinos etc. No entanto, discípulo de Clio, ele não cria o passado, ele não controla os eventos, ele apenas os registra: o historiador é criativo na forma como exibirá o que já se foi, mas deve ser absolutamente rigoroso e fiel com relação ao conteúdo.


A frase contemporânea “você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”, tão significativa nos tempos que correm, deveria estar no coração daqueles que se dedicam a investigar as desventuras mortais pelo mundo, narrando-as em formatos e meios sempre novos. Continua a valer, inclusive, a elaboração do historiador francês Marc Bloch (1886-1944), chamando a História tão apropriadamente de “a ciência dos homens no tempo”.


Conscientes de nossa mortalidade, mesmo se inspirados por uma deusa, os historiadores são - em primeiro lugar - filhos de sua época, nem sempre escapando das idiossincrasias de seu próprio contexto; o historiador acaba por responder a demandas do presente enquanto trata do passado. E em segundo lugar, historiadores têm a ambivalente missão de conciliar o coração do artista e a mente do cientista, do investigador. Um desafio e tanto, ao qual muito poucos - de fato - respondem com propriedade.


“A História, filha da Memória” é a arte de perscrutar o passado humano em busca de inspiração para o agora, nos ajudando a recordar o essencial guardado naqueles breves momentos em que os humanos tocaram o céu ao reconhecer seus criadores.



[Artemisia Gentilleschi (1593-1656). - Clio: musa da História, 1632.

Óleo sobre tela, 128x97 cm. - Cassa di Risparmio di Pisa, Pisa, Itália.]



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