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A comemoração de hoje

Atualizado: 24 de nov. de 2020


“O Malho”, 15/11/1913 - A commemoração de hoje” - 1913

Imagens nunca estão sozinhas. Assim como pessoas, elas precisam de suas companheiras para, de algum modo, existir. Uma imagem que se destaca de outras, chegando a simbolizar uma idéia, uma época, um fato histórico, não ocuparia esse lugar sem ter subido nos ombros das demais.


Dito Isso, o dia de hoje - o 15 de novembro no Brasil - nos permite escolher uma imagem que a ele - talvez - ajude a dar algum sentido. Vejamos o que encontramos a partir da obra acima...


O cenário é - no mínimo - inquietante: um homem busca se equilibrar na parte superior de uma esfera que, por sua vez, está num plano inclinado. Este globo é o centro da bandeira brasileira e o que o impede de rolar - naturalmente - pelo plano inclinado é um par de antebraços cujas mãos contêm o movimento da dita esfera. Ao fundo, vê-se uma representação do Sol; logo acima, a inscrição “15 de novembro”.


O jornal humorístico carioca “O Malho” circulou no Rio de Janeiro ao longo de toda a primeira metade do século XX. Na comemoração dos vinte e quatro anos da Proclamação da República, trazia esta imagem em suas páginas. A figura humana na parte superior é uma representação da população brasileira, ou uma versão do Zé Povo, personagem que cumpria essa mesma função em inúmeras charges e caricaturas de então. É o “povão” experimentando as delícias e agruras de ser o que é, ou seja, brasileiro. Sua expressão é retrato não apenas de incômodo com a precariedade da circunstância em que está, mas também de certo receio, temor. O equilíbrio precário, prestes a mudar, parece depender não dele, mas das misteriosas (e imensas) mãos que, abaixo, impedem que a esfera “desça a ladeira”.


Poderíamos ceder a inúmeras interpretações para o que ou de quem seriam as tais mãos, mas uma coisa é certa: não estarão lá por muito tempo, cansa ficar sustentando um objeto numa encosta com um cara por cima, não é? A expressão zombeteira do Sol, que pisca um de seus olhos (!) enquanto sorri, está em diálogo direto com aqueles que contemplam a cena - nós: somos todos testemunhas de uma cena tragicômica. Nesta charge, no alvorecer do 15 de novembro, a situação é de instabilidade, o povo e o país descerão a ladeira, a questão é quando.


Esta breve interpretação da imagem, na qual deixamos diversos elementos para um outro momento, serve para que reflitamos sobre o agora: já se via o Brasil como destinado a descer a ladeira em 1913, imagem que muitos brasileiros - tristemente - continuam a cultivar nos 131 anos da República, em 2020. No Brasil, poder-se-ia dizer que há uma tradição cuidadosamente cultivada pelos poucos séculos que temos: somos mais pródigos em apontar culpados do que responsáveis. Mais do que apenas identificar paralelos entre esses dois brasis separados por mais de um século (tão perto, tão longe), podemos perguntar: se o sentimento a respeito do Brasil não mudou nesse tempo todo, o que temos de fazer para que não mais dependamos de outros braços que não os nossos para ditar nosso destino como país?


[Storni ou Alfredo Storni (1881-1966). -

A commemoração de hoje” - 1913. - Nanquim, dimensões indeterminadas.

O Malho”, 15/11/1913. - Acervo do IEB-USP, São Paulo, Brasil.]


Entrei em contato com esta imagem há muitos anos,

por meio do brilhante trabalho do professor Elias Thomé Saliba, o livro:

Raízes do Riso: a representação humorística da história brasileira

- da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio.

- São Paulo: Companhia das Letras, 2002.





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